R E L E A S E
UM OLHAR SOBRE O PATRIMÔNIO INDUSTRIAL DO REBOUÇAS
Abonico Smith
Se existe um bairro que pode explicar, ele próprio, um pedaço significativo da história do desenvolvimento urbano de Curitiba no século 20, este é o Rebouças. Com seu legado fabril, ele é o objeto de estudo de mais de uma década da arquiteta e urbanista, professora e pesquisadora Iaskara S. Florenzano, que acaba de colocar parte do resultado de seus levantamentos e análises em um livro dedicado ao icônico bairro da capital paranaense. Viabilizado pela Lei Municipal de Incentivo da Fundação Cultural de Curitiba, Um Olhar Sobre o Patrimônio Industrial do Rebouças foi lançado em maio na Biblioteca Pública do Paraná.
Primeiro distrito industrial da cidade, o Rebouças, segundo a pesquisadora, está envolvido em uma “série de conflitos entre expectativas legais, culturais e econômicas que se verificam em boa parte das áreas pós-industriais que comportam patrimônio histórico, arquitetônico e urbanístico no Brasil e no mundo”. Foi justamente o fato do bairro não ser reconhecido como um conjunto cultural preservável apesar de sua extrema importância pelos significados que comporta que a levou a debruçar-se em um olhar apurado em suas pesquisas acadêmicas. Tal olhar, inclusive, não escapa de muitas considerações críticas a respeito da trajetória sofrida pelo Rebouças a partir da segunda metade do século passado, quando novos planos urbanos passaram a destinar seu território e sua paisagem – e, em consequência, o patrimônio industrial – ao abandono e ao desaparecimento.
O passado que deflagrou o Rebouças está intimamente ligado à explosão econômica do ciclo da erva-mate no Paraná, que, a partir da inauguração do edifício da Estação Ferroviária, inaugurado em 1883, no então limite sul da capital, viu a cidade se desenvolver rapidamente. A partir de então, a linha férrea, que ligou Curitiba ao litoral no primeiro momento e depois ao interior e aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, chegando à Bacia do Prata, possibilitou a exportação do mate para o exterior, ampliando o poder econômico das indústrias ali estabelecidas. Além dos engenhos, o bairro passou a abrigar também outras indústrias como cervejarias, madeireiras e fabrica de fósforos. Havia ainda armazéns, comércios diversos, edifícios institucionais, vilas operárias, edifícios religiosos, agremiação esportiva e escolas.
Além da paisagem, todo o conjunto de elementos que estão conformados no Rebouças compõe o patrimônio industrial. Importantes registros que expressam tanto a relação das pessoas, que ali trabalharam e que em parte construíram a cidade, com o espaço, como a memória destes grupos sociais que testemunharam as modificações nela ocorridas ao longo do tempo. Para a autora, "a paisagem do Rebouças é a expressão concreta da cultura que o originou e o transformou e pode ser considerada como um documento arqueológico autêntico das dinâmicas sociais impressas sobre o seu território". Território este que tornou-se o centro econômico da cidade na primeira metade do século XX. Contudo, a Segunda Guerra Mundial, as crises econômicas, as mudanças tecnológicas e as políticas urbanas destinaram o bairro ao esvaziamento entre as décadas de 1940 e 1970, e à consequente decadência. Desde então, explica Florenzano, “nenhuma iniciativa pública ou privada destinada a esta área deu conta de sua complexidade pelo desconhecimento de sua importância e pela fragilidade das interpretações de seus conteúdos”.
Em vista das constantes ameaças de apagamentos históricos no Rebouças, reforçadas pela emblemática demolição da fábrica da Matte Leão em 2011, a pesquisadora viu a importância de deixar impresso uma parte deste estudo, uma vez que ela entende que as "estruturas do bairro se constituem como elementos indispensáveis para a manutenção das características do espaço e do lugar de memória na construção do tempo presente" para a cidade de Curitiba.